Em artigo de opinião para o Dinheiro Vivo, Elsa Guilherme, Senior Manager da Neves de Almeida HR Consulting, fala do impacto da mudança nas pessoas e nas organizações, e reflete sobre como é que a podemos aceitar da melhor forma.
Vivemos ainda aquele que é provavelmente o maior desafio das nossas vidas, com o “novo normal” e durante uma reunião de teams, um parceiro dizia-me: “pois, isto já começa é a não ter muito de novo…”. Tenho de reconhecer que ele tem razão. E de facto, não foi sempre assim?
Com alguma imaginação, consigo projetar o que seria a página da proteção civil de Pompeia, depois da erupção que eliminou a cidade, ou os “números da DGS” dos primeiros casos de Peste Negra em Portugal em 1348, uma pandemia que dizimaria 30% a 60% da população da Europa.
Atribuir estes acontecimentos a pessoas ou à ira divina, num fanatismo religioso, deve ter sido o mais comum, mas está provado que trouxe consciência e inovação. A Peste Negra incentivou a tecnologia, levando a uma maior produtividade; houve mudança da agricultura de grãos para a pastorícia (porque exigia menos mão-de-obra), já para não falar dos avanços consideráveis na Medicina. Antes da peste, apenas o filho mais velho herdava a propriedade ancestral; após a praga, todos os filhos e filhas começaram a herdar propriedades.
Grandes impactos trazem grandes mudanças; é sempre assim.
Com a pandemia do novo coronavírus, aliada à transformação digital, de um mundo VUCA, passámos ao acrónimo BANI, para descrever um mundo frágil (Brittle), suscetível a catástrofes, que a Ansiedade é um dos sintomas da atualidade, que os acontecimentos são Não-lineares, pelo que não há como fazer planeamento de longo prazo… e só nos resta a consciência da Incompreensibilidade, de que não compreendemos nem temos controlo sobre tudo. Essa é a realidade do mundo e das empresas.
Mas se a mudança é inevitável, porque somos resistentes a ela?
Por medo, por acharmos que perdemos o controlo, por falta de informação, porque não gostamos de surpresas, porque no passado já tivemos surpresas, porque ninguém nos explicou ou porque não percebemos o porquê da mudança.
“Mas nós comunicámos!”, dizem-nos alguns clientes, quando realizamos um diagnóstico aos seus processos de mudança. Muitas vezes isso significa que “enviaram um documento, com o que é esperado que os colaboradores façam e com que objetivo” e surpreendem-se que as pessoas continuem resistentes.
Hoje, sabemos mais; percebemos que o envolvimento supera a comunicação, que convidar as pessoas a ajudar a criar soluções, cria aliados e que sempre que as pessoas percebem que são tratadas com cuidado, atenção e apreciação, reagem em consonância! Esse é o “segredo” que parece que falta a algumas organizações compreender, colocar em prática… e mudar!
Se todos concordamos que a mudança é inevitável nas nossas vidas, então como aceitá-la? Gostamos do conforto, temos apego a coisas e a pessoas e, francamente, questionamos o porquê de mudar, se funciona.
Se virmos a mudança como uma regeneração, podemos aceitá-la melhor. Num tempo em que só a menção a “mutação” nos arrepia, lembremo-nos: o que seria de nós sem a renovação de células, o ciclo da água ou a evolução das espécies? Isso é pura mudança. E olhemos para nós próprios.
Recentemente, cruzei-me com uma citação, Carl Rogers, um Psicólogo que também mudou a forma de fazer psicoterapia e que achei inspiradora: “O paradoxo curioso é que quando eu me aceito como sou, então eu posso mudar.” E comigo, isso sucedeu. O que esta mudança no viver e no conviver me trouxe, e que me perdoe quem sofreu mais do que eu com esta pandemia, foi sem dúvida, consciência. Por força do teletrabalho, a verdade é que passei mais momentos comigo, interroguei-me mais, fiz mais “reuniões comigo mesma” e aprendi que este exercício de autoanálise, de consciência do que somos, do que melhor sabemos e do que temos de melhorar, é tão necessária quanto dolorosa. Evidentemente que não gostamos de ter noção do que não fazemos tão bem, do que pode não estar ao nosso alcance, mas essa consciência é igualmente libertadora, para nos concentrarmos nos nossos pontos fortes, para investirmos no que nos traz felicidade.
Por isso, cabe-nos aceitar a mudança; aceitar, o que não significa resignarmo-nos. Se não consigo impedir ou controlar a mudança, o melhor é antecipá-la, racionalizá-la! Que seja eu a criar a nova forma de viver, seja profissional, seja pessoal. O que vou ganhar com o novo estado? O que me trará de bom? É um pouco como andar de bicicleta – temos de olhar para a frente, porque se olhamos para baixo, caímos! E afinal, podemos mudar de direção e até moderar a velocidade, o travão está na nossa mão.
Curiosamente, para mim, a mudança tornou-se uma irresistível necessidade.
Hoje, tenho mais noção do “aqui e agora”, pratico a aceitação e estabeleço metas mais realistas. Sei que não me importa (nem me move!) o politicamente correto, a intenção de agradar aos outros. Assumo que valorizo, cada vez mais, as pessoas boas, com caráter e valores, com quem posso aprender. Esse tornou-se o meu motor: a aprendizagem, e para isso eu preciso de mudar, conhecer pessoas novas, experimentar o que nunca fiz.
A mudança, para mim, não tem nada de radical, de rutura completa; é ao meu ritmo. Não é mudar os móveis todos os dias, ou saltar de aviões! Não, isso não é para mim (voltando à consciência, do que me faz feliz). Mas sou alguém que quis concretizar o sonho de escrever um livro, sou alguém que põe aparelho nos dentes aos 47 anos e aceito-me; já não perco tempo com o que gostaria de ser, mas foco-me no que vou fazer para ser melhor.
Acho que sou mais honesta nos meus projetos e desculpo-me menos em não agir por falta de tempo. E assim, traço metas pequenas, como todos os dias falar com alguém com quem não falo há muito, elogiar o que nunca elogiei, dizer com coragem, o que antes calava, dar feedback ao amigo, ao chefe, ao cliente mais exigente.
Se é possível que a pandemia nos tenha trazido algo de bom, então escolheria a consciência, o aceitar da mudança e o fazer realmente algo. E isso, eu recomendo: experimente fazer diferente, o que quer que faça o dia de hoje valer a pena! Hoje, não amanhã. Para mim, essa tornou-se a medida da felicidade.
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